Glossário: Conceitos

Dan: Ponto axial onde se encontra a mediação entre as forças, o equilíbrio ideal entre as tensões no qual se obtém eficácia.

Dao: A via, o meio pelo qual se atinge a reintegração com o ritmo cósmico da natureza e a plenitude potencial do ser. Estas, porém, são apenas colocações referenciais; os próprios chineses preferem deixar toda a ambigüidade do conceito existir, no sentido de privilegiar as várias respostas existentes. A própria idéia de dao, aliás, supõe que possam existir vários caminhos dentro do caminho. Assim, tentar definí-lo é, na verdade, enquadra-lo necessariamente na classificação de uma das escolas, ou ainda, na proposta que as escolas elaboraram para compreendê-lo.

Daode: A significação do termo “moral” em chinês é, exatamente, “caminho da virtude”. Sendo um neologismo, deve ser entendido, portanto, de acordo com o contexto, tendo em vista ser uma palavra composta (formada por duas palavras de significado autônomo). Quando ela aparece no início do tratado daoísta Daodejing, podemos inferir que não há, necessariamente uma ligação entre seus dois termos; quando, no entanto, ela aparece dentro dos textos confucionistas, sua vinculação responde diretamente ao problema da virtude como prática por excelência da justa medida e obtenção do caminho em si. Confúcio preferia utilizar, porém, o conceito Yi - um sinônimo apropriado - que podemos compreender, finalmente, como um termo homeomórfico da Mors latina.

Bagua: São os oito trigramas encontrados no Yijing, o Tratado das Mutações, que compõe a base das interpretações cosmológicas e oraculares representadas pela dinâmica dos hexagramas.


He: Esta palavra pode ser traduzida num grupo de sentidos similares, tais como: união, ligação, conjunção, intercessão, concordância e mesmo harmonia musical. Esta última interpretação é importante, pois Confúcio utilizava esta analogia para representar o entendimento humano tal como a melodia de uma música, onde todas a notas e movimentos atuam dentro de um ritmo que compõe a sua beleza. Este era, aliás, o tema do capítulo 19 do Liji e de um tratado intitulado Yuejing, que hoje se encontra perdido – explicar o papel da música no desenvolvimento dos seres humanos. A harmonia pode ser considerada, portanto, como o encontro da concordância suprema entre o indivíduo e as coisas que o cercam.

Jiao: Embora muito utilizada nos dias de hoje apenas no sentido de ensinar, nos tempos antigos a palavra guardava uma certa ambigüidade, no que se refere à possibilidade do sábio aprender constantemente com os outros seres. Por isso, o termo podia significar, de acordo com o contexto em que aparecesse, tanto como “educar” como “educar-se” (buscar aprender), “instruir” ou “instruir-se”, etc. Era, possivelmente, um mecanismo com o qual os confucionistas gostavam de lidar para ratificar a noção de um estudo necessário e constante, humilde e sincero, moral e objetivo.

Junzi: Nos tempos antigos, o Junzi designava um nobre ou cavalheiro de linhagem respeitosa, representado pelo ideograma Jun. Confúcio iria modificar este conceito e utilizar a idéia de Jun como virtude, sabedoria, afirmando então que junzi era aquele que possuía nobreza de caráter, conhecimento moral, não importando sua condição social ou sua origem familiar. A provável intenção de Confúcio era demonstrar que a verdadeira sabedoria poderia ser alcançada por qualquer um.


Kong, Xu: Noções semelhantes que apresentam a idéia de espaço vazio, ausência, vazio. É o contraposto da matéria e o manifestador do princípio (Li).

Li: Lugar, ponto, espaço, praça, campo arado.

Li (2): Princípio originador de todas as coisas, formado pela junção das palavras jade e campo. O campo arado indica, analogamente, as lavras de uma pedra de jade, que delineiam o princípio subjacente à matéria. É, no entanto, um princípio de movimento, um fomentador e indicador de processos de transformação, não podendo pois ser tratado com uma entidade. Atualmente, a palavra é utilizada também no sentido de estrutura, textura ou ainda, base.

Li (2): Princípio da conduta ritual, que determina as fórmulas de etiqueta, de respeito, cerimonial, diálogo, culto, etc. A idéia de ritual na China não pode ser interpretada como um princípio religioso: ela compõe um elemento fundamental da estrutura das religiões, mas a conduta ritual trata, de fato, do modo e das práticas de operação do ser humano, pelo qual ele respeita os seus limites e dos outros, através da repetição de procedimentos de cortesia e do preparo intelectual para discussão e entendimento dos valores éticos que fundam a moral. O ritual, pois, constitui um componente fundamental da estrutura das sociedades, e é um dos objetos privilegiados na análise de Confúcio.

Qi: Representação analógica do vapor d’água e de suas diversas formas de condensação. O conceito de Qi representa a concepção chinesa de uma energia universal que compõe a tudo (matéria) e que lhe dá movimento, em oposição ao vazio. Pode ser dito, com alguma segurança, que a idéia de Qi é análoga a proposta da relatividade de Einstein, mas os chineses buscaram outros meios de compreendê-la e aplicá-la.

Ren: A junção da palavra ser-humano (disposta de forma vertical do lado direito do ideograma) com o número dois forma a concepção de união entre dois seres, harmonia entre indivíduos, o ren tão buscado por Confúcio. Defini-lo em termos práticos, porém, se tornou uma tarefa complexa. Já se utilizou, para designar ren, a idéia de amor (ai), benevolência, reciprocidade, altruísmo... analisando os textos de Confúcio, veremos que todas estas palavras são pertinentes, mas não respondem por completo a dimensão do termo. Talvez a tradução mais aproximada, portanto, seja humanismo, concepção ocidental que possui um valor homeomórfico para com a idéia de ação humana voltada para o bem maior que se consigna em ren.

Ren(2): O ser humano, termo de conotação neutra. Sendo neutro, é possível que Confúcio o utilizasse de forma impessoal, no sentido de afirmar que sua doutrina valia tanto para homens quanto para mulheres. Existem maneiras apropriadas de designar estas diferenças, mas poucas vezes elas aparecem nos textos confucionistas.

Rujia: Escola vinculada ao caminho promovido por Confúcio e seus discípulos, que recebeu este nome devido a importância com que os mesmos defendiam o estudo e o preparo intelectual para a formação do ser humano.

Sheng, Sheng Ren: A sabedoria plena, advinda do conhecimento interno e externo, da experiência e da prática. Por isso, aquele que alcança sheng torna-se uma sheng ren – pessoa sábia, conhecedora, o sábio perfeito.

Shi: Termo que designa as propensões ou tendências de uma determinada natureza. No caso do ser humano, podemos dizer que existem dois tipos de propensão: aquela que é genérica (ou seja, a propensão natural pela busca do caminho, dao) e a individual (o meio pelo qual o ser pode manifestar o potencial de sua natureza, através de um campo de conhecimento ou ação) no qual ele se deixa aflorar e emprega toda sua energia de modo a vincular a experiência e o domínio da técnica à investigação do campo interno, visando obter eficácia, medida e acesso à plenitude, ou seja, o próprio dao.

Shu: Termo empregado para a prática da benevolência, da caridade e do auxílio mútuo. Tem um uso específico na língua chinesa, e por isso podemos afirmar que ele é um dos componentes do ren, mas não o ren em si, como alguns autores buscaram traduzir.

Taiji: Taiji pode ser traduzido como “Último supremo”, o que vem a significar algo próximo de “princípio último e primeiro (circular) da geração de todas as coisas”. É representado pelo símbolo das duas essências fundamentais, yin e yang, e designa a idéia de um ciclo gerador universal, atemporal e imutável, regido justamente pelo oposto, o individual, o temporal e o mutável. Apresenta ainda a idéia de oposição complementar do qual tudo provém e onde tudo se encerra.

Tian: Palavra que pode significar céu, dia, tempo, ocasião. No período de Confúcio e Laozi detecta-se uma modificação no emprego do termo, que ganha uma conotação de cosmo, natureza, e mesmo de ciclo ecológico. Ao utiliza-la, Confúcio falava sobre este ciclo celeste no qual a vida dos seres se encerra, concedendo-lhe uma abrangência universal e uma lógica de funcionamento que podia ser inferida “cientificamente” pela interpretação dos clássicos. Buscar o conhecimento significaria, portanto, compreender e atuar de acordo com estas normações cosmológicas que se encontram no estudo da natureza, Tian, e de suas manifestações no campo da moral e da vida.

Wu: Objeto corporificado, materializado, ou ainda, manifestado pelo processo criativo da natureza ou dos seres.

Wujing: Teoria das Cinco Fases ou Estados da matéria (qi), que compõe uma série de ciclos complexos de criação, anulação, intermediação, etc. Base do pensar chinês para compreender o estado e a propensão energética das coisas.

Wuwei: Conceito vinculado principalmente pela escola daoísta, consiste na idéia de agir de acordo com o funcionamento da natureza, respeitando os processos de transformação dos ciclos cósmicos. Os chineses discutiriam, porém, se essa ação desinteressada seria totalmente harmônica com a natureza, e isenta de um propósito egoístico ou se ela serviria, justamente, a melhor forma de realizar um propósito egoístico de acordo com os mesmos ciclos.

Xin: Um dos elementos fundamentais do discurso confucionista: a busca da sinceridade moral, ou seja, de pautar a conduta na prática correta, na idéia de bem maior, que só se alcança pelo desejo de atingir a justa medida das coisas. O ideograma é composto pelos termos “pessoa” e “palavra”, ou seja: a verdade é representada por alguém que corporifica a palavra, alguém que cumpre o que diz, alguém que é o que faz de si próprio.

Xing: Este ideograma se refere à natureza ou princípio que nos torna humanos, em oposição aos animais que tem seus próprios xing. É a fonte de onde provém a estrutura da ética humana, e por isso é universal.

Xue: Estudar, aprimorar-se, investigar.

Yang: Ideograma que representa a essência positiva, luminosa, masculina, ascendente, quente, forte, agregadora, etc.

Yin: Ideograma que representa a essência negativa, obscura, feminina, descendente, fria, desagregadora, etc.

Yi: Palavra cujo significado é homônimo ao de moral. Conjuga as concepções de daode (caminho da virtude - moral) e li (ritual), denotando o modo apropriado de agir, de atuar, de ser, ou seja, de buscar o zhong yong (justa medida) no ato moral. É utilizada em ocasiões em que se busca imprimir a idéia de conduta harmônica, conduta correta, a maneira certa de se fazer algo.

Yu: A “pedra real”, gema que realiza a conexão entre o mundo “material” (manifestação) e “espiritual” (princípio subjacente). O ideograma mantém a estrutura da palavra “rei”, Wang, que consiste em três traços horizontais unidos por um vertical; os três primeiros representam o céu, o ser humano e a terra, e o traço vertical a conexão entre os três planos, atributo exclusivo do rei. O ligeiro traço, ao lado direito e abaixo da linha intermediária representa a pedra, proveniente da terra, mas cujo papel intermediador entre planos cósmicos aproxima-a da figura do rei. Por isso o jade seria a “pedra soberana”, e parte fundamental da idéia de “princípio”.

Zhexue: Termo moderno utilizado para traduzir a palavra filosofia, como “estudo com afinco”, “estudo aprofundado”, “estudo correto”. Zhe significa algo que podemos traduzir (não sem uma certa dificuldade) como “trabalho duro que com o tempo desfaz os erros”. A palavra veio a surgir para fazer uma distinção entre o pensar ocidental e o oriental, posto que antes os chineses consideravam as filosofias do ocidente igualmente como Jia (casa, escola). O problema gerado pelos europeus (sécs. XIX e início do XX) em não considerar o pensamento chinês como filosofia é que acabou por determinar a criação e o emprego da palavra.
Zhi: Este ideograma é composto pelos termos “flecha” e “boca, entrada, orifício”. Significa um tipo de conhecimento prático, pragmático, útil e preciso, que atravessa tempo, e que se manifesta em várias áreas (tal como uma flecha que voa sobre os campos até atingir o alvo). Confúcio já havia atentado para o simbolismo da arqueria: “o tiro com o arco é como o sábio: quando erra o alvo, busca-se a razão em si mesmo” (Zhonyong, 14).

Zhong: Atributo básico daquele que busca a conduta moral correta: devoção, respeito e lealdade a familiares, superiores, amigos e companheiros. O ideograma simboliza a centralidade do (e no) coração.